João inicia o Evangelho com a mesma expressão utilizada no começo do livro do Gn: "No princípio".
João inicia o Evangelho com a mesma expressão utilizada no começo do livro do Gn: "No princípio". Nos dois textos (Jo e Gn), a protagonista é a Palavra de Deus. No Gn dá-se o início de toda a criação; em Jo, a nova criação. Essa expressão pode indicar Cristo mesmo, pelo fato de que a criação só é possível através dele, que é o princípio de todas as coisas. A Palavra, que é o pensamento do Pai, a Sabedoria divina (Pr 8,22-26; Sb 9,9-12; Eclo 24,3-32), está voltada para o Pai e tem a mesma natureza do Pai. Ela precede o ato criador, porque não é simplesmente uma força que cria, mas também, de modo essencial, é uma PESSOA, é o Filho. Essa Palavra é Vida, que permite a vida do mundo, pois, como diz Is 55,10-11, ela é como a chuva e a neve que fecundam a terra, isto é, engravida a terra, a fim de que esta faça brotar a vida; e é Luz que ilumina a criação para o seu verdadeiro objetivo; é o Caminho que conduz para a Verdade e para a mesma Vida.
2. A Palavra estava no mundo. Por ela tudo foi feito e na criação ela sempre esteve presente. A Palavra é a Inteligência que cria, pela Qual se cria e é Causa exemplar da criação, segundo os Padres da Igreja. Pois bem, na história, o Espírito Santo sempre inspirou homens e mulheres, suscitando em suas mentes e corações o gosto e zêlo por essa Palavra, ainda velada, mas tão cedo desejada. Os profetas, mesmo sem entender a essência dessa Palavra, ansiosamente a esperavam e a proclamavam com o testemunho de suas vidas. Estando velada no mundo, a Palavra já iluminava os seus portadores e, ao mesmo tempo, sendo Ela a luz, foi rejeitada pelas trevas do homem velho da época da promessa.
3. Pois bem, esse é o prólogo do evangelho segundo S. João que resume tudo aquilo que desenvolverá no Evangelho. Primeiro, ele afirma a preexistência da Palavra; em seguida, sua presença no mundo; e, por último, essa mesma Palavra toda voltada para o Pai. Compreende essa Palavra como sendo a Vida, a Luz, a Verdade, o Caminho, Imagem visível do Pai e da mesma natureza de Deus. Segundo ele, a Palavra é total obediência ao Pai e toda voltada para a salvação dos homens. Infelizmente, estes não entenderam e continuam sem entender a Palavra da salvação. O homem sem Deus é amante de palavras ilusórias, deturpadas, falaciosas e destruidoras de dignidades; as palavras dos homens são tão limitadas quanto sua própria realidade. A palavra que parte do homem se limita ao âmbito de seus interesses e paixões.
4. Além da Palavra, Jo fala da Vida, pois o Verbo é a Vida. Ao contrário da Palavra que é Vida, a humanidade segue a palavra que se identifica com a morte, escolhendo as paixões do poder, da riqueza e do prazer aos moldes da satisfação carnal. Viver, na concepção mundana, é seguir a estrada do “filho pródigo”, que, buscando a si mesmo, estraga sua saúde, seu tempo, a finalidade de sua existência, atrapalha quem está do lado, torna-se instrumento de morte e leva consigo muitos outros dependentes de si; é o caminho de quem festivamente escolhe a morte para depois chorar com ela.
5. Em seguida, Jo diz que o Verbo é a Luz do mundo. De fato, o próprio Jesus dirá: “Eu sou a Luz”. A luz faz enxergar, revela o horizonte, aponta a estrada, mostra a verdade, dá clareza, facilita o mergulho mais profundo na realidade, por isso está relacionada com a Verdade e com a inteligência (inter legere = ler dentro). Tudo isso é lançado por terra por uma humanidade que prefere fazer tudo às escondidas, nas trevas de uma realidade de desordem, desorientação, desconstrução de pessoas e deturpação de tudo que estiver pela frente. Por isso as grandes antíteses: Cristo é a Vida, o homem opta pela morte; Cristo é a Luz, o homem opta pelas trevas; Cristo é a Verdade, o homem se envolve com a mentira; Cristo é o Caminho, o homem segue sem direção; Cristo é total entrega de Si mesmo (amor oblatividade), o homem odeia; Cristo é a Imagem do Pai, o homem prefere revelar em si mesmo a imagem do mal pelos seus interesses e atitudes. Apesar disso, o Evangelho exprime a vitória da Palavra.O cume do texto vai se dar em Jo 1,14: "E a Palavra se fez carne e habitou entre nós". Aqui não existe mais o véu, não é mais a promessa, porque a Palavra tornou-se um de nós, se revestiu da nossa carne, da nossa realidade, da nossa natureza. Com isso, Deus colocou sua Tenda em nosso meio, na nossa história, estabeleceu o lugar do nosso encontro com Ele. O corpo da Palavra, o corpo de Cristo, é agora a nossa Tenda, não como no Antigo Testamento, mas o lugar da nossa salvação. Como disse s. Paulo, citando os poetas gregos: "Nele nos movemos, existimos e somos" (At 17,28). A glória de Deus já não se esconde mais por trás da nuvem, mas se fez visível em Jesus Cristo, humano como nós. Agora sim, nossa natureza foi assumida, para ser redimida e glorificada. Agora temos a graça de, pela fé e pelo batismo, receber o Espírito Santo, que nos livra do pecado original, nos faz filhos no Filho, torna-nos participantes da natureza divina e membros do Corpo de Cristo. Que mistério tão belo e tão importante, escondido da sabedoria dos homens e das trevas!
7. Jesus Cristo é todo para o Pai. Dele dá testemunho João Batista, que não é digno de desatar-lhe as correias das sandálias. Ele é um com Pai (Jo 10,30); na sua vida, nos seus ensinamentos e em seu testemunho é a visibilidade do Pai (Jo 14,9); todo o seu ser é para o Pai. Jesus Cristo é visibilidade do Eterno Amor. Por Ele, é possível contemplar o Amante (o Pai), o Amado (Ele próprio, o Filho) e Amor (o Espírito Santo). Ele, sendo a Verdade, a Vida e o Caminho (Jo 14,6); a Imagem visível do Deus invisível (Cl 1,15), é a nossa Lei absoluta, a nossa máxima revelação, pois "o Pai disse tudo por meio do seu Filho" (S. João da Cruz). Por meio dele, o Pai concede à humanidade a graça da salvação. Sendo tudo criado por Ele, por Ele também tudo será salvo.
Um forte e carinhoso abraço.
Feliz Natal!
Feliz 2025!
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